por Leandro de Almeida Bertola.
Resumo: O artigo, em primeiro lugar, apresenta o conceito de “quarta parede”. Na sequência, investigamos como as pessoas são consideradas e transformadas, ao longo da história, em sujeitos ativos, utilizando-se como ilustração o sistema de ensino e as teorias da comunicação. Por fim, estudamos a quebra da “quarta parede”, como consequência dessa modificação do sujeito passivo em cidadão ativo e crítico.
Palavras-chave: Ator. Plateia. Artes Cênicas. “Quarta Parede”. Sujeito Passivo. Sujeito Ativo.
THE BREAKING OF THE “FOURTH WALL”
Abstract: First, the article introduces the concept of “fourth wall”. In the sequence, we explore how people are considered and transformed, throughout history, into active subjects, using as illustration the education system and theories of communication. To finish, we study the breakdown of the “fourth wall” as a consequence of this transformation of the passive subject as an active and critical citizen.
Keywords: Actor. Audience. Performing Arts. “Fourth Wall”. Passive subject. Active subject.
Artigo publicado na Revista Anual Marte Universitária da Mostra de Artes Teatrais Integradas de João Pessoa/PB (07 a 14 de outubro de 2017).
INTRODUÇÃO
Esse artigo investiga como, ao longo da história, as pessoas são transformadas em sujeitos ativos, bem como a influência dessa modificação na relação entre ator e plateia, sob a perspectiva da “quarta parede”. Inicialmente, mostramos a transformação do sujeito, no contexto do sistema de ensino brasileiro e nas teorias da comunicação, para depois adentrarmos na relação do artista com a plateia, bem como os motivos para a eliminação da “quarta parede”.
A expressão “quarta parede” faz referência à forma como os atores relacionam-se com a plateia. Existem diversas maneiras de se utilizar o espaço cênico, contudo vamos ilustrar esse conceito com base no palco italiano. Esse estilo de palco surgiu somente no final do século XV e início do século XVI, durante o período do Renascimento na Itália. Caracteriza-se com uma parede ao fundo e duas paredes laterais, uma espécie de caixa. A “quarta parede” seria uma barreira imaginária colocada na frente, entre os atores e o público. Nessa concepção os atores desconsideram a existência do público, como se as pessoas olhassem pelo buraco de uma fechadura. Frise-se que esse procedimento é utilizado no teatro, no cinema e na televisão.
A obra construída com a “quarta parede” prioriza o caráter ilusório e envolve o espectador nas ações dramáticas. Muitas vezes a eliminação da “quarta parede” é utilizada no distanciamento[1], com a não identificação psicológica do intérprete com a personagem. O ator brechtiano, em sua relação com a plateia, afasta-se da personagem, com a consequente perda do caráter ilusório, com o propósito de aguçar o senso crítico do espectador. Diferentemente do “Sistema Stanislavski”, o ator quando se utiliza do distanciamento tenta mais mostrar do que viver a personagem. Um dos caminhos para distanciar-se é através da quebra da “quarta parede”. Quando ocorre essa ruptura o ator concentra sua fala e sua atenção para o público.
Interessante refletirmos que, apesar do rompimento da “quarta parede” ser aplicado no Teatro Épico (Brechtiano), isso não significa que interagir com a plateia seja, necessariamente, distanciar-se da personagem. O ator pode, perfeitamente, extinguir a “quarta parede” e ainda sim manter o caráter ilusório da encenação.
Algumas considerações da transformação do sujeito no sistema de ensino brasileiro.
Para analisarmos a construção do sujeito ativo, tomemos, em primeiro lugar, como exemplo, o sistema de ensino no Brasil.
O professor, no início, era o foco da metodologia de ensino e o aluno, apenas um sujeito passivo, que recebia o conhecimento transmitido. Silva (2008) abordou que a educação brasileira sofreu forte influência pedagógica europeia, com influências religiosas. Os Jesuítas vieram para o país no ano de 1534 com o objetivo de catequizar os índios, convertê-los em cristãos e submetê-los ao regime do governo português. Nesse período de colonização, a educação era muito rígida. Ainda em Silva (2008), verifica-se que a metodologia jesuítica (Ratio Studiorum) era institucionalizada e eminentemente retórica, baseada somente na transmissão do conhecimento. Os jesuítas foram expulsos do Brasil em 1759 pelo Marquês de Pombal, principalmente por ter sido influenciado pelo Iluminismo Francês, acarretando, então, o início do processo de extinção da estrutura pedagógica construída durante o período de colonização.
Até aproximadamente o final do século XIX, implantou-se no Brasil essa educação tradicionalista, herdada dos jesuítas. No início do século XX, com o surgimento da Escola Nova[2], sofremos a primeira mudança. Passamos então de um ensino centrado da figura do professor para um ensino que começava a enxergar o aluno como um sujeito ativo. Apesar de toda a movimentação e ruptura causadas pela corrente escolanovista, nos anos 1960, o Brasil passou por um período educacional demasiadamente tecnicista. Tal modelo privilegiava a técnica em prol de qualquer outro aspecto pedagógico, com a missão exclusiva de aumentar a produtividade no mercado de trabalho. Antes e depois desse período tecnicista tivemos vários movimentos e influências importantes, como por exemplo, as ideias de Paulo Freire[3], que sempre buscaram um ensino mais democrático, solidário, humanizador, crítico, e, sobretudo transformador. Freire posicionava-se contra a postura tecnicista da década de 1960 e lutava por um ensino ético e humano. Não era contra o ensino técnico, porém, acreditava que o rigor/excesso técnico afasta a ética do ensino como podemos depreender de suas lições: “[…] transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador” (FREIRE, 1996, p. 33). O aluno passou de uma condição passiva para uma condição ativa, perseguidor do saber.
Algumas considerações da transformação do sujeito nas teorias da comunicação.
Ao longo da história, essa alteração na condição de sujeito passivo para sujeito ativo, vem ocorrendo em diversos campos. Se tomarmos também como exemplo, os estudos das teorias da comunicação, visualizaremos essa transformação. No período entre as duas guerras mundiais, décadas de vinte e trinta, havia uma teoria da comunicação chamada hipodérmica. Ela foi assim denominada para comparar com a agulha hipodérmica, como se a pessoa fosse atingida diretamente pela mensagem, num contexto de sociedade de massa. Isto é, uma informação teria o mesmo efeito em todas as pessoas. A essência dessa teoria é tratar a pessoa como sujeito passivo e manipulável.
Após a teoria hipodérmica as pesquisas das teorias da comunicação avançaram e passou-se a pensar nos efeitos das mensagens sob outros aspectos, tais como, fatores relacionados ao setor psicológico e comportamental, características especificas do receptor (classe social, grau de escolaridade, idade, sexo, etc.), relações sociais, fatores políticos e econômicos, necessidades e satisfações pessoais.
Outra teoria da comunicação que também ilustra essa condição da pessoa como sujeito passivo é a teoria crítica. Essa doutrina, para analisar os meios de comunicação de massa (cinema, rádio, televisão, música, etc.), tenta compreender as relações que se perfazem nos meios de produção do capitalismo e da industrialização. Nas investigações dessa escola criou-se uma expressão chamada indústria cultural, usada por Horkheimer e Adorno pela primeira vez na Dialética do Esclarescimento, publicado em 1947. Para Adorno as pessoas são manipuladas e entende que “[…] o consumidor não é soberano, como a indústria cultural gostaria de fazer crer, não é o seu sujeito, mas o seu objeto”. (Adorno, 1967, p. 6, apud WOLF, 2008, página 77). O autor ainda complementa esse pensamento quando fala da manipulação do público pela indústria cultural, ao referir-se ao meio televisivo, dizendo que “[…] o espectador, mediante o material que observa, é continuamente colocado na condição de assimilar ordens, prescrições e proscrições sem saber.” (WOLF, 2008, p. 83). Para a teoria crítica, os produtos da indústria cultural, dentre eles o rádio, o cinema e a televisão, anestesiam as pessoas, refletindo o modelo econômico vigente e manutenção de uma sociedade de classes, onde há dominantes e dominados.
Tanto na teoria hipodérmica, quanto na teoria crítica, a pessoa era considerada apenas como receptora de mensagens. Entretanto, nos séculos XX e XXI, houve novas concepções. As pessoas já não eram mais consideradas como meros receptores de informações e desprovidos de senso crítico. Um dos pensadores que trouxe inovações foi Jesus Martín-Barbero. A cultura passou a ser analisada como mediadora do processo de comunicação. O conjunto de símbolos e signos, a constituição dos códigos e conteúdos das mensagens se perfazem de matrizes culturais. Sob a perspectiva de Martín-Barbero, verificamos que, nos processos de comunicação, os indivíduos interagem uns com os outros, bem como, mediados pela cultura, saem da condição passiva, para um status reflexivo e com senso crítico.
A Plateia e a “Quarta Parede”.
O espectador de teatro, o telespectador, o público de cinema, o usuário de internet, o leitor, em suma, as pessoas de uma maneira geral estão inseridas nesse contexto social de transformações. Dessa forma, ao longo dos anos, passamos da condição de sujeitos passivos para cidadãos atuantes e autônomos. O público que vai ao teatro, que “consome” arte, já não é mais aquele sujeito que vivencia um sistema tradicionalista de ensino ou que é visto pelas teorias da comunicação como um mero receptor de mensagens. Em razão dessa mudança, os meios de comunicação e os artistas, passaram a pensar no público como sujeitos singulares, ativos e críticos. Hoje, os meios de comunicação não são mais considerados, tão somente, emissores unilaterais de mensagens. Na internet, por exemplo, há uma produção intensa de conteúdos, diariamente, por milhares de pessoas.
Não somos mais pensados apenas como sujeitos passivos e receptores de informações. A todo instante interagimos e agimos no meio social. Nas artes cênicas não é diferente. Há, por exemplo, espetáculos teatrais e produtos audiovisuais de diversos gêneros e estilos onde há ou não interação com as pessoas.
Intrigante pensarmos que o começo da história do teatro europeu, em Atenas, na Grécia Antiga, a multidão reunida no theatron não era apenas espectadora, mas participava do ritual teatral. As pessoas colocavam-se nos mesmos patamares dos deuses e compartilhavam o conhecimento mitológico. Nas Festas Dionisíacas[4] havia ocasiões em que a população, além de se divertir, participava ativamente das festividades, e, às vezes, até entrava numa espécie de transe.
Embora Bertolt Brecht, seja conhecido como o precursor do distanciamento, na Comédia Grega Antiga, o ator ou o coro podiam dirigir-se diretamente à plateia. Esse recurso ficou conhecido como parabasis. Um dos autores que utilizou desse procedimento em diversas peças foi Aristófanes. No final do primeiro ato o coro tirava as máscaras, caminhava até a frente, na extremidade da orquestra e dirigia sua atenção ao público. Esse recurso era utilizado para apresentar a opinião do autor sobre acontecimentos locais, assuntos políticos ou temas pessoais.
Por outro lado, o público romano inseria-se em outro contexto. Na República Romana e no Antigo Império, os líderes eram conhecidos por manter uma política conhecia como “pão e circo”[5]. Parte da população recebia trigo e cereais. Ocorriam também diversos eventos com o propósito de divertir a comunidade, tais como, corridas de bigas, batalhas de gladiadores, acrobacias, shows com animais ferozes, etc. Na época de Augusto o enfoque já não era mais o drama falado, mas sim espetáculos que pudessem entreter. Em suma, a plateia era considerada como mera consumidora. Os objetivos de fornecer alimentos e diversão eram fazer com que não se pensasse em assuntos políticos e problemas sociais relevantes, bem como manter os indivíduos fieis ao Estado. Embora alguns historiadores afirmem que essa política do “pão e circo” não conseguia controlar e domesticar a população, a qual se indignava e cobrava por melhorias, é possível concluirmos que os objetivos dos governantes eram de manter o povo alheio às temáticas importantes, bem como barrar qualquer espécie de manifestação revolucionária.
No final da Idade Média, por volta de 1475, uma peça com temática sobre moral e bons costumes, Mankind (Humanidade), da Inglaterra também utilizou o recurso da quebra da “quarta parede”. Em um momento de clímax do espetáculo, um dos atores aproximava-se da plateia e dizia, acerca de uma coleta de fundos já iniciada, que o arquidemônio Titivillus só iria aparecer caso fosse arrecadado dinheiro suficiente. Nesse caso o propósito era nítido de arrecadar dinheiro, uma vez que o elenco, geralmente composto de poucos atores, custeavam de forma independente suas produções.
Já na Inglaterra, no Teatro Elisabetano[6], os atores ficavam muito próximos ao público. Os intérpretes trocavam olhares com a plateia, que era considerada como cúmplice da ação dramática. Outra característica de ruptura da “quarta parede” dessa época era em relação às personagens dizerem suas intenções/objetivos/planos e conflitos diretamente ao público, através de “solilóquios” e “a partes”.
No século XVI, no ano de 1549, desembarcou no Brasil a primeira missão jesuítica, chefiada pelo padre Manoel da Nóbrega. A pedido de D. João III, os jesuítas tinham o objetivo de catequizar os índios, bem como conter o conflite existente entre os nativos e o colonos. Como os índios tinham afinidades com dança e canto, o teatro foi uma ferramenta utilizada para a dominação. Era mais eficaz uma apresentação artística do que aplicar sermões. Alguns anos depois, em outra missão, a Companhia de Jesus trouxe o padre José de Anchieta. Os missionários aprenderam a língua indígena para posteriormente ensiná-los o português e o espanhol. Além disso, conhecer a língua local, bem como os costumes e crenças indígenas, ajudaram os jesuítas na catequização, pois nas apresentações teatrais eram inseridos elementos da cultura indígena.
Dando um salto na história do teatro, observamos que os diretores do teatro naturalista foram adeptos à manutenção da “quarta parede”. Na França, por exemplo, André Antoine e sua trupe de atores amadores, buscavam ignorar o público totalmente em suas interpretações. Caso entendessem necessário os atores voltavam às costas para a plateia e envolviam-se plenamente na ação dramática. O que determinava a posição do interprete era a ação e o diálogo. Stanislavski também apreciava encenar utilizando-se da “quarta parede”. Em uma cena, no segundo ato, de A Gaivota de Anton Tchekhov, os atores sentados em um banco colocado na ribalta contracenam, assim como André Antoine na França, dando as costas para o público. Essa cena de A Gaivota tornou-se referência, na época, para o teatro mundial. Já o diretor russo Evg (u) eni Vakhtângov abolia a “quarta parede” em seus trabalhos. Na peça a Pricensa Turandot de Carlo Gozzi, alguns atores, que não estavam em cena, misturavam-se com os espectadores das primeiras fileiras e os abordavam com piadas e improvisos, bem como lembravam a plateia de que aquilo era uma peça de teatro e não a realidade.
Utilizar da “quarta parede” continua atual e é visto em diversas montagens contemporâneas. Contudo, é importante destacarmos que, atualmente, mesmo numa montagem que mantém viva a “quarta parede” essa plateia não deve mais ser pensada e comunicada como mera receptora de mensagens, mas sim como seres humanos críticos, ativos, reflexivos e transformadores.
A relação do ator com a plateia nas peças Os malefícios do tabaco e O alienista da Cia Complexo de Actoris.
A seguir exemplifico em dois trabalhos de minha Cia de Teatro as possibilidades de romper a “quarta parede”. Uma, mantendo o caráter ilusório e a identificação psicológica com a personagem, e a outra, distanciando-se da ação dramática.
O monólogo, Os malefícios do tabaco[7], por mim adaptado, parte de um texto realista, escrito no final do século XIX, para uma concepção contemporânea, sem perder a essência da dramaturgia original do russo Anton Tchekhov. O texto conta a história de Ivan, um homem comum “convidado” a dar uma conferência beneficente sobre os malefícios do tabaco. Sozinho diante da plateia, compartilha pensamentos, lembranças e sentimentos de uma patética vida de casado. O monólogo aborda, com humor, dilemas cotidianos e ainda atuais do ser humano.
Os malefícios do tabaco. Cia Complexo de Actoris. Fotografia: Josué Schanoski.
Os malefícios do tabaco, é um texto que, essencialmente, pede a ruptura da “quarta parede”, porém o caráter ilusório é mantido. A relação com a plateia continua sob uma base stanislaviskiana. A interpretação envolve o espectador na ação dramática e, simultaneamente, quebra-se a “quarta parede”. É certo que, vez ou outra, sem “sair da personagem”, narra-se, por exemplo, circunstâncias da cidade em que a peça ocorre, com o intuito não de distanciar, mas sim de envolver ainda mais o público na história e criar empatia. Como se vê, a quebra da “quarta parede” não significa, necessariamente, distanciar-se da história, da personagem e do caráter ilusório.
Já em outra montagem, também da Cia Complexo de Actoris, O alienista de Machado de Assis [8], por mim adaptado e dirigido por Karina Zimmermann, a interação com o público é muito intensa.
O alienista, Cia Complexo de Actoris. Fotografia: Karen Madeira.
O monólogo conta a história de Dr. Simão Bacamarte que retorna ao Brasil após conquistar respeito em sua carreira de médico na Europa. Aos 40 anos casa-se com Dona Evarista, uma mulher que não era nem bonita e nem simpática, porém daria uma ótima reprodutora. No Brasil o médico passa a dedicar-se ao estudo da psiquiatria e constrói um manicômio, onde acolhe todos os loucos da cidade e região. Machado de Assis dialoga com as fronteiras do que é normal e do que é loucura, e explora, com ironia, o comportamento das pessoas, a vaidade e o egoísmo.
O Alienista, Cia Complexo de Actoris. Fotografia: Gustavo Gomes.
Diferentemente do texto de Tchekhov, aqui a base da montagem é o distanciamento. Inicialmente, o ator apresenta-se e conta uma breve história que ocorreu durante a montagem, logo em seguida termina de vestir o figurino e novamente apresenta-se (agora como a personagem). O espetáculo já se inicia distanciado. Durante o transcorrer das cenas é mantido o caráter narrativo/épico, sem, contudo, perder-se de vista a personagem que se representa. As pessoas da plateia são os outros personagens. Ao longo da peça, é mesclada uma aproximação mais relacionada com o “Sistema Stanislavski”, porém sob uma base distanciada de Brecht. Além disso, algumas pessoas são internadas no manicômio e são partes da encenação. O palco então se perde no espaço e tudo se torna algo único, onde não há mais distinção entre o que é ator e que é plateia. A peça já se inicia mostrando que aquilo é teatro. A perda da ilusão cênica é um ponto de partida. No decorrer das cenas há um jogo entre uma personagem menos distanciada e ora mais distanciada, com o propósito de fazer as pessoas visualizarem a personagem e o próprio espetáculo, sob um ponto de vista crítico. Tanto em, Os malefícios do tabaco, quanto em, O alienista, há interação com a plateia, contudo no primeiro prioriza-se o caráter ilusório e no segundo o distanciamento.
Considerações finais
Ao longo da história as pessoas modificaram-se de sujeitos passivos para sujeitos ativos. Esse abandono do estado de passividade ocorreu em vários setores sociais, inclusive nas artes cênicas. Para exemplificar a construção desse indivíduo ativo, utilizamos como ilustração o sistema de ensino brasileiro e as teorias da comunicação.
A quebra da “quarta parede” acontece em diversas circunstâncias. Uma das possibilidades reside nessa transformação do sujeito passivo em sujeito ativo. No início, as pessoas eram consideradas, tão somente, como receptores de informações, mas aos poucos, fomos esculpidos como cidadãos ativos, reflexivos e críticos. Descobrimos também que a quebra da “quarta parede” ocorre com outros propósitos, como por exemplo, na Grécia Antiga, no procedimento conhecido como parabasis, ou ainda, no Teatro Elisabetano, quando os intérpretes utilizavam-se da quebra para arrecadar dinheiro. Embora a ruptura da “quarta parede” não esteja condicionada, tão somente, na construção do sujeito ativo, essa mudança no estado de passividade, sem dúvida, influenciou (e influência) a relação do artista com o seu público.
Visualizamos dois exemplos de ruptura da “quarta parede” da Cia Complexo de Actoris, Os malefícios do tabaco e O alienista. No primeiro, a interação do ator com a plateia não extingue o caráter ilusório da encenação. No segundo, o recurso é utilizado para distanciar-se e instigar o senso crítico do espectador. Dessa forma, quando um ator quebra a “quarta parede” não significa, necessariamente, que ele estará se distanciando, uma vez que é possível dirigir a atenção diretamente ao público e manter uma linha de identificação psicofísica com a personagem.
Hoje vivemos em uma sociedade da informação, onde, ao mesmo tempo em que recebemos mensagens, produzimos conteúdo (de forma rápida), com o apoio das tecnologias disponíveis. Nessa perspectiva de como o sujeito é pensado hoje, é que podemos conceber a necessidade, bem como a consequente, eliminação ou não da “quarta parede”.
Notas:
[1] Brecht aplicou a técnica do distanciamento no Theater Am Schiffbauerdamm, na Alemanha.
[2] A “Escola Nova” é considerada um dos maiores movimentos de renovação da educação brasileira (senão o mais importante) e não enxergava mais o professor apenas como aquela pessoa que transmite o conhecimento, mas como alguém que passa a auxiliar o aluno a aprender, a mediar uma situação de aprendizagem. Essa Escola tinha vários objetivos, dentre eles, desenvolver a criatividade do aluno em diversos aspectos, verbal, corporal, artístico, etc.
[3] Paulo Freire criticava o tecnicismo, enxergando sempre a educação além de aspectos técnicos.
[4] Celebrações de caráter cívico religioso em homenagem ao Deus Dionísio ocorridas em Atenas. Havia cinco espécies de Dionisíacas: Lenéias, Antestérias, Dionísias Urbanas Oscofórias, e as Dionísias Rurais.
[5] Acredita-se que a expressão “pão e circo” (panem et circenses) foi adotada pelo poeta Juvenal, no século 100 dc, em uma de suas sátiras (Sátira X).
[6] O Teatro Elisabetano corresponde ao período que se estendeu do reinado de Elisabeth I (1558 a 1603) na Inglaterra até o fim do reinado de Jaime I (1625). William Shakespeare é a figura de destaque desse período.
[7] O monólogo estreou no Festival de Monólogos “Paulo de Andrade” em Piedade-SP no ano de 2010. Foi apresentado no V FEMO – Festival de Monólogos de Campo Limpo Paulista, no XV FESCETE (Festival de Cenas Teatrais) de Santos/SP, no Festival de Teatro de Curitiba (Fringe 2012 e 2013), na abertura do 6º Sarau da ELAM em Marília-SP, no XI Festival de Cenas Curtas de Paranapiacaba-SP, no Sabadarte de Ourinhos-SP, no XI Encontro de Artes das Faculdades Integradas de Ourinhos, na FLOU (Festa Literária de Ourinhos), no XV FECT de Osasco-SP e na VI Mostra de Teatro de Sarapuí, onde ganhou prêmios de melhor ator, melhor adaptação da obra, melhor conjunto da obra e indicação de melhor maquiagem. Ficha Técnica: Texto: Anton Tchekhov. Direção: Paula Bittencourt e Leandro Bertola. Intepretação, adaptação e figurino: Leandro Bertola.Cenário: Leandro Bertola e Dionisio Bertola. Iluminação e operação de luz: Karen Madeira. Produção e fotografia: Karen Madeira. Cia Complexo de Actoris.
[8] O monólogo pré-estreou em 2016 na Unesp de Ourinhos. Estreou em 2016 na 8ª Mostra Sérgio Nunes de Artes Cênicas. Foi apresentado na IV Mostra de Teatro de Gavião Peixoto, onde recebeu indicação de melhor direção, melhor ator e melhor iluminação, na Mostra Fênix de Linguagens Cênicas de Tupã-SP, onde recebeu indicação de melhor direção, melhor ator, melhor cenografia e melhor operação de luz, e na 5ª Semana Literária – A representação do negro na literatura produzida por escritores da região sudeste do Brasil da Biblioteca Lydia Frayze. Ficha técnica: Texto: Machado de Assis. Direção e Sonoplastia: Karina Zimmermann. Adaptação, Interpretação e Figurino: Leandro Bertola. Cenário: Karina Zimmermann e Gustavo Gomes. Produção e Fotografia: Karen Madeira e Gustavo Gomes. Iluminação: Aparecido dos Anjos (Neguitinho). Cia Complexo de Actoris.
Referências bibliográficas.
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